MONOGRAFIE 2011-2012
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Giuseppe Vacca
Vida e pensamento de Antonio Gramsci

Traduzione di
Luiz Sérgio Henriques
ControPonto, Fundação Astrojildo Pereira, Fondazione Istituto Gramsci
Brasilia/Rio de Janeiro 2012

pp. 508 R$ 76.00
ISBN 978-
85-7866-075-8

Prefácio à edição brasileira
di Maria Alice Rezende de Carvalho

Estudos sobre o pensamento de Antonio Gramsci costumam mobilizar
grande número de historiadores especializados nas relações
mantidas entre o Partido Comunista Italiano e a política
do Komintern (Internacional Comunista) no entreguerras. Desde
1975, ano em que se publicou na Itália a edição crítica dos Cadernos
do cárcere, e mesmo agora, quando começou a se publicar
uma exaustiva Edição Nacional dos Escritos de Gramsci, é crescente
o investimento na recuperação de fontes associadas à história
do PCI, tendência consolidada com a chegada de Giuseppe
Vacca à direção da Fundação Instituto Gramsci, em 1988. Com
Vacca, um dos mais influentes intelectuais pós-comunistas da
atualidade, o Instituto passou a abrigar novos corpi documentais,
recrutou pesquisadores experientes, formou outros tantos e ampliou
a circulação da revista Studi Storici, em visível esforço de
reorganização do campo de estudos gramscianos, projetando-o
para os embates que viriam na década de 1990 e depois. De fato, a
criação do Partido Democrático da Esquerda (PDS) e sua metamorfose
na mesma década,1 a proliferação de perspectivas pós-
-comunistas, de “melhoristas” a radicais, avivaram reivindicações
quanto ao legado teórico e político de Antonio Gramsci e emprestaram
maior relevância à certificação histórica dos argumentos
mobilizados. A pesquisa tornou-se, então, um dos fronts da luta
política e instrumento de organização daquelas frações.
Foi, portanto, sob o signo do combate que Giuseppe Vacca escreveu
este Vida e pensamento de Antonio Gramsci – 1926-1937, fruto de um trabalho coletivo de investigação que, ao longo de
vinte anos, reuniu e examinou determinado segmento do epistolário
gramsciano: as cartas trocadas com a cunhada Tania Schucht
e a correspondência que ela manteve, paralelamente, com familiares
e com Piero Sraffa, o economista italiano, amigo de Gramsci,
que começava a se projetar no ambiente keynesiano da Cambridge
University. Baseando-se nesse conjunto de cartas, Vacca produziu
uma narrativa plausível e emocionante acerca dos afetos e da política
que moveram Gramsci durante o período em que permaneceu
preso, até sua morte. Ao fazê-lo, o autor propõe um mergulho,
um corte vertical na trajetória de Gramsci, distanciando-se das
biografias convencionais.
O tempo contemplado pela narrativa de Giuseppe Vacca é curto.
Sua abordagem não leva em conta a vida e a obra de Antonio
Gramsci anteriormente ao seu encarceramento, desconsiderando,
portanto, os escritos gramscianos do período em que integrou a
redação turinense do Avanti!, órgão do Partido Socialista, ou os
textos que publicou no semanário L’Ordine Nuovo, que fundou
em 1919 e se tornará referência central do movimento do conselho
no biênio vermelho, em 1919 e em 1920. O menino pobre e
enfermiço, que cresceu com uma corcova às costas e teve os movimentos
limitados por aquela circunstância, desaparece completamente
do campo de visão de Vacca, assim como a sensibilidade
extremada, o sentimento de humilhação, o ressentimento pela
condenação do pai por peculato, a debilidade nervosa – sua revolta,
enfim. Desaparece o enorme esforço que despendeu este menino
sardo até se destacar bem cedo como combativo jornalista no
ambiente socialista turinense, assim como desaparecem o voluntarismo
do jovem Gramsci e seu “conselhismo”, isto é, a convicção
de que os conselhos de fábrica seriam a forma ideal-típica dos
sovietes na Itália. Como o próprio Gramsci reconhecerá, sua sensibilidade
juvenil estará marcada pelo idealismo e pela exacerbação
de cometimentos éticos – traços que chamou de “tendencialmente
crocianos” e que de algum modo estarão presentes no período de inicial adesão ao bolchevismo e mesmo, já assimilados
e transformados, no seu pensamento maduro.
Em 1921, fundado o Partido Comunista, Gramsci não fará parte
da Direção Executiva, cuja composição é majoritariamente revolucionarista
no plano político e absenteísta no plano eleitoral.
Gramsci almejava, em contraste, um partido enraizado organizativamente
nas fábricas e disposto a participar das eleições, pois
acreditava que a campanha de “candidatos revolucionários” serviria
à organização das massas. Sua percepção do Parlamento naquele
momento era, pois, meramente instrumental.
Durante o ano de 1921 e os primeiros meses de 1922, Gramsci
manteve-se empenhado em produzir uma caraterização teórica e
política do fascismo, definindo-o, afinal, como um movimento
reacionário com forte enraizamento nos segmentos subalternos
da sociedade italiana. Como se lê em um de seus artigos no
L’Ordine Nuovo, de abril de 1921, o fascismo era um movimento
político aderido aos costumes e identificado “com a psicologia
bárbara e antissocial de alguns estratos do povo italiano ainda não
modificados por uma nova tradição, pela escola [...]; basta recordar
que a Itália tinha o primado em homicídios e assassinatos; que
as mães educavam os filhos pequenos dando-lhes tamancadas na
cabeça; [...] que em algumas regiões da Itália parecia natural [...]
colocar uma focinheira nos vindimadores para que não comessem
as uvas; que os proprietários trancavam seus empregados à chave
para impedi-los de se reunirem ou de estudarem à noite”. A eficácia
do fascismo derivava, pois, dessa aderência à ética social predominante
na Itália, arrastando demagogicamente até setores populares
na sua voragem. E, numa evidente objetivação daquela
dolorosíssima experiência, Gramsci denuncia a incapacidade dos
dirigentes socialistas, mesmo os “revolucionários”, de se ligarem
organicamente às massas e estancarem o avanço reacionário.
Em meio a conflitos dramáticos, nos quais o “espírito de cisão”
do novo partido fazia-o afastar-se dos socialistas e muitas vezes
isolar-se numa posição extremada, Gramsci chegará ao II Congresso do PCI, no início do ano de 1922. Ali, porém, terá demonstrado
sua habilidade como construtor institucional, ao estabelecer
um compromisso entre os diferentes grupos do PCI e destes com
a Internacional Comunista, que aprovara em Moscou a diretiva
de uma frente política com os socialistas – uma diretiva que os
comunistas italianos, em polêmica com a própria Internacional,
ou não aprovavam ou circunscreviam apenas ao plano sindical,
como era o caso do próprio Gramsci. Este foi, então, indicado
como representante italiano na Executiva da Internacional Comunista.
Aos 31 anos, era impossível não se sentir politicamente
prestigiado e um tanto eufórico por constituir o núcleo do governo
revolucionário mundial.
No entanto, os anos de agitação revolucionária e o subsequente
trabalho em Moscou o consumiram. Foi tão grave o esgotamento
que Zinoviev, presidente da Internacional Comunista, recomendou
seu internamento em um sanatório na periferia da cidade. Lá conheceu
Eugenia Schucht, de uma família de nobres russos convertidos
à ideia revolucionária e com larga passagem pelo exílio,
inclusive na Itália, durante o czarismo; Eugenia, internada também
por esgotamento psicofísico, passou a lhe devotar um sentimento
intenso, sendo, contudo, preterida por sua irmã, Giulia, a quem
Gramsci conheceu em setembro de 1922, quando ela visitava Eugenia.
A conturbada relação de Antonio e Giulia estará fadada a se
tornar ainda mais dramática com a prisão do marido, em 1926, e a
doença da mulher, na longínqua Moscou stalinista, a adiar indefinidamente
o momento de ir à Itália. Tiveram, no entanto, um filho
em agosto de 1924, quando Gramsci já voltara a Roma, na condição
de deputado e principal expoente do PCI. E, na segunda metade
de 1925, Giulia reunir-se-á por breve tempo ao marido em Roma,
sempre acompanhada de Eugenia e de Tania, a irmã que não havia
voltado à Rússia e que permanecerá na Itália durante todo o período
carcerário de Antonio. Em agosto de 1926, Giulia, novamente
grávida, retorna definitivamente a Moscou. Gramsci não conhecerá
o segundo filho, intensamente presente nas suas Cartas do cárcere.Gramsci foi preso poucos meses depois e transferido para a
ilha de Ustica. O confinamento nessa ilha dura pouco e, no início
de 1927, será enviado ao presídio de San Vittore, em Milão, até
o julgamento em Roma, entre maio e junho de 1928. Será então
enviado à Penitenciária Especial de Turi, em virtude de uricemia
crônica. É nesse ponto que tem início a análise de Vacca, tendo
na correspondência de Gramsci com as irmãs Schucht – Giulia e,
principalmente, Tania, de quem se aproximou a partir de 1925 –
um sumário da sua atividade intelectual, transposta, em grande
parte, para os Cadernos.
Vacca oferece ao leitor, com admirável competência, três planos
de leitura. O primeiro deles é o plano analítico, cujo cerne
consiste na integração entre pensamento e vida de Antonio
Gramsci. De fato, o livro se propõe a superar a cisão, presente em
trabalhos congêneres, entre a obra de Gramsci e a sua biografia,
ou seja, entre dimensões da experiência humana – o interior e
o exterior, o subjetivo e o objetivo, o indivíduo e a sociedade –
que não são separáveis. Vacca concebe os textos de Gramsci como
ele próprio os concebia, a saber, como práticas materiais, atualizações
da estrutura social e de sua dinâmica, não como o desenrolar
de uma história das ideias sobre si mesma. Nesse sentido,
os capítulos dedicados à psicanálise e à questão hebraica na Europa
são absolutamente ilustrativos do procedimento que vige em
todo o livro. Em tais capítulos, Vacca apresenta o modo pelo qual
a síndrome depressiva de Giulia e sua terapia freudiana forneceram
a Gramsci a oportunidade de refletir sobre o “emaranhado”
afetivo e mental dos Schucht – a mãe de ascendência judia, o pai
de ascendência alemã –, que experimentavam uma posição um
tanto desequilibrada entre a tradição, expressa no patriarcalismo
de Apollon, e a modernização acelerada da União Soviética. Naquele
contexto, segundo Vacca, Gramsci terá formulado o nexo
entre a difusão da chamada “literatura freudiana” – Proust-Svevo-
-Joyce – e a intensificação dos processos de racionalização da indústria
fordista. Ou seja, o nexo entre uma forma de organização psíquica e o novo industrialismo de molde norte-americano, tal
como se observa no tratamento que Gramsci concedeu à questão
sexual sob o americanismo.
Outro plano de leitura é o temático. Como se terá constituído
a agenda intelectual de Gramsci no período em que esteve preso?
De acordo com Vacca, os temas sobre os quais Gramsci se debruça
estão em óbvio diálogo com suas vicissitudes políticas, tanto no
que se refere ao PCI quanto à Internacional Comunista, sobretudo
a partir de 1929-1930, quando a Internacional passou a pregar a
radicalização da luta de classes. Gramsci, que em 1926 já apresentava
uma divergência insanável com a forma econômico-corporativa
do Estado soviético – problema que esboçou em carta
dirigida ao Comitê Central do Partido Comunista Russo –, quando
foi preso, e a partir do momento em que lhe permitiram redigir
os “cadernos” (1929), dedicou-se a elaborar a questão da ampliação
dos recursos hegemônicos da classe no poder – “solução”
antípoda à da imediata revolução operária que a Internacional
propugnava. Desde então, e durante todo o período da prisão, o
tema da hegemonia tornou-se central, redefinindo a própria concepção
de política no universo do marxismo. A ele se superpunham,
contudo, algumas questões “cifradas”, que tinham o objetivo
de esclarecer a sua situação e eventuais ações que pudessem
libertá-lo. Os exemplos são muitos e se distribuem ao longo do
livro. Mas talvez seja interessante apontar que, no auge de seu isolamento
político, quando Stalin impõe aos partidos comunistas
uma orientação uniforme e esquemática, atropelando processos
histórico-nacionais de construção de hegemonia, Gramsci escreve
a Giulia algo que, segundo Vacca, somente Togliatti poderia decifrar.
Trata-se de uma mensagem cifrada acerca da tensão entre
internacionalismo abstrato e política nacional concreta, mensagem
na qual Gramsci indaga, de modo irônico, se é melhor classificar
a linguagem do povo Niam Niam segundo critérios geográficos
extensivos ou segundo o processo histórico de filiação
linguística, pois em um caso, dizia Gramsci, os Niam Niam pertenceriam
ao Sudão Oriental, em outro, ao Ocidental... Por fim, há um terceiro plano de leitura – o político – que encerra
a proposição mais importante, talvez, deste livro de Giuseppe
Vacca: o revisionismo de Gramsci na década de 1930 e sua
recepção da ideia de Constituinte. Se, em 1920-1921, Gramsci entendia
o Parlamento como uma instituição burguesa, de que os
revolucionários não deveriam esperar coisa alguma; e se, em 1926,
Vacca divisa, contra o notável historiador comunista Paolo Spriano,
o início de uma mudança ideológica em Gramsci, que passa
a conferir relevância à necessidade da “catarse” política e da superação
do momento econômico-corporativo na construção do
socialismo, em 1930, quando a Internacional Comunista formulou
o diagnóstico de uma crise geral do capitalismo, exortando os
partidos comunistas à tática da “classe contra classe”, Gramsci sublinhará
a necessidade de reconstruir conceitos fundamentais da
política entendida como hegemonia civil, aberta à necessidade de
uma longa guerra de posições em cenários adversos e marcados
pela iniciativa histórica dos adversários, ainda que sob a forma da
revolução passiva.
A partir de 1930, portanto, Gramsci retornará ao tema da frente
única, desenhado por Lenin nos anos posteriores ao entusiasmo
revolucionário de 1917, mas entendendo que era preciso reelaborá-
lo profundamente – o que o leva, como dissemos, a articular
inovadoramente os conceitos de “guerra de posição” e de “revolução
passiva” no âmbito de uma teoria da hegemonia. Dessa nova
perspectiva, em que a noção restrita de hegemonia do proletariado
cede à de hegemonia política, Gramsci considera que a ação dos
comunistas não poderia ser orientada pela formação de uma vontade
popular autônoma, de notação jacobina, que ignorasse o terreno
caracterizado pela revolução passiva, historicamente determinado,
e privilegiasse doutrinariamente a forma da “guerra
de movimento”, que fora típica dos bolcheviques. Ao contrário, a
proposta da Constituinte traduz o afastamento de Gramsci de
uma concepção de democracia como “fase intermediária” da luta
pelo socialismo, identificando-a, antes, como caminho progressivo
e ininterrupto de universalização do mundo dos direitos e das liberdades. O capítulo em que Vacca discorre sobre a Constituinte
é estratégico para o entendimento da posição de Gramsci naquele
momento. Embora Vacca se resguarde de afirmações mais contundentes
e elabore uma visão bastante sutil do problema, é possível
identificar a sugestão de que Gramsci terá descartado o momento
“Maquiavel”, isto é, a organização de uma revolução operária
contra o fascismo ou, em outros contextos, de uma revolução nacional-
popular que conduzissem diretamente ao socialismo ou
ao comunismo, sem qualquer diálogo com o tema da democracia
política.
Com este extraordinário livro, Giuseppe Vacca não apenas
confere expressiva contribuição ao campo historiográfico marxista,
como também intervém no debate contemporâneo sobre
o legado político de Antonio Gramsci – trata-se de refletida e generosa
reafirmação do valor da democracia como sinônimo de
liberdade e justiça universais.
 
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